Portugal: Os dispositivos de leitura de e-books disponíveis no mercado internacional não páram de aumentar, mas José Afonso Furtado, estudioso do tema, diz que a ênfase na produção faz com que se esqueça as reais necessidades dos consumidores.
“Em 1998, quando surgiu o primeiro leitor de e-books, disse-se que, dentro de cinco anos, já não haveria livros. Mas é preciso ver em que é que os dispositivos acrescentam valor ao consumidor e a que tipo de consumidor”, sublinhou José Afonso Furtado, para quem “os aparelhos de leitura de livros electrónicos não conseguiram, até agora, criar um mercado viável”.
“Podemos ter todos os livros digitalizados, mas se as pessoas não os quiserem ler ou não quiserem comprar nenhum dispositivo para os ler… Porque ler um livro tradicional não requer nenhum dispositivo, não é preciso carregar a bateria do leitor, não há preocupações de formato, podemos facilmente emprestar ou dar“, declarou à agência Lusa o autor de “O que é o Livro” [1995].
Para o investigador, é preciso que o leitor generalista “se convença de que tem vantagens em gastar o dinheiro no leitor“, o que não é fácil quando, em Portugal, “a maior parte das pessoas não gasta em livros impressos por ano o que custa um e-book reader, que – exceptuando uma oferta ou outra – vem sem nada dentro“.
José Afonso Furtado lamenta, por isso, que quem produz os dispositivos esteja tão preocupado com questões técnicas que não acautele se vai “atingir um público que está pré-definido“.
Convocando a experiência pessoal, o ex-presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura [1987-1991] assegurou ter hábitos de leitura que lhe permitem “não ser muito perturbado pela mudança de suporte“, optando por ler em papel e trabalhar sobre o documentos em ficheiro digital, mas considera a sua prática não “transponível” para a generalidade dos cidadãos.
“Eu acho que quem recorre ao formato digital são os grandes leitores, aqueles que lêem mais de 20 livros por ano, que têm uma formação superior, têm capacidades financeiras acima da média, cujos pais já liam, que tiveram um ambiente familiar propício, etc“, declarou à Lusa, considerando infundados os receios de que o e-book dite o fim do livro tradicional.
O também autor de “Os Livros e as Leituras: Novas Ecologias da Informação” [2000], suporta a sua convicção em exemplos recentes, como as vendas de “The Lost Symbol” [“O Símbolo Perdido”, em português], de Dan Brown.
“A Amazon dizia que estava a vender mais o formato digital do que o livro em papel“, congratulando-se com um “‘finalmente mudou tudo'”, mas, actualmente, “as vendas do ficheiro digital representam 5 por cento do total de vendas do livro“, contou, acrescentando: “Isto significa que é um mercado que, neste momento, tem um patamar“.
“Todos os anos as pessoas ficam muito contentes porque o mercado dos livros electrónicos cresceu imenso – 300 por cento, 200 por cento – mas como partiu do zero…“, comentou.
No entanto, existem editores que souberam fazer do suporte digital um modelo de negócio bem-sucedido.
É o caso da “edição profissional, académica e científica, que é onde estão as maiores editoras do mundo, que digitalizaram todos os seus fundos, normalmente indispensáveis para estudantes universitários ou profissionais em determinadas áreas“, referiu José Afonso Furtado.
O docente contou ainda à Lusa que, actualmente, se assiste a “um choque entre dois mercados – o do livro em papel e o do mesmo livro em formato digital“, estando em curso “uma discussão interminável sobre qual deve ser a relação entre o preço do mesmo livro em papel e em formato electrónico“.
Lusa – 11/2009