Pequenos editores e autores aprendem a desbravar terreno do livro digital


O paulistano Ricardo Lísias recentemente protagonizou um feito que ganhou grande repercussão no mundo dos livros. Sua ficção “Delegado Tobias”, publicada em quatro volumes, no formato e-book, conseguiu estar entre os mais vendidos em lojas virtuais como a Apple Store, Amazon, Livraria Cultura, figurando num ranking até então dominado pelos best-sellers internacionais.

Primeiro da série inaugurada dentro do selo Formas Breves, editado pelo escritor Carlos Henrique Schroeder, o caso se soma a outros que conquistaram projeção semelhante, como os contos “A Otária”, de Marcia Tiburi, e “Um Mistério nos Electric Lady Studios”, de Cadão Volpato, também localizados entre os dez mais adquiridos nas listas da Amazon.

Lançadas ao preço de R$ 1,99, as narrativas chamam atenção para as possibilidades de alcance de um formato que no Brasil ainda engatinha, mas vem sendo explorado de maneira criativa por autores e pequenas editoras.

Embora ainda represente algo entre 5% e 7% do mercado editorial brasileiro, o nicho tem mostrado o seu potencial de revelar o trabalho de novos autores, de facilitar o acesso aos escritos de nomes mais conhecidos, além de recolocar em circulação obras que se encontram fora de catálogo. Schroeder nota nesse aspecto uma contribuição para o fortalecimento da diversidade literária.

O e-book abre grande vantagem na democratização do acesso e da construção de uma cultura que luta pela defesa da bibliodiversidade. Com o Formas Breves, por exemplo, nós nos baseamos na dinâmica de apresentar contos de autores jovens e consagrados. Estamos buscando um caminho nessa mistura”, observa o editor.

Entusiasmado com o impacto de “Delegado Tobias”, Lísias ressalta a versatilidade do e-book, capaz de inaugurar formas contemporâneas de escrita. Na confecção dessa trama policial, ele incorporou o uso das redes socais não apenas como espaço de divulgação do que estava fazendo, mas como estratégia para criar uma espécie de narrativa expandida.

Esse projeto, especialmente, se tornou algo além de um título dividido em fascículos. Ele teve uma dimensão externa que se acoplou ao texto, mantendo interação constante com os leitores. Antes de fazer o primeiro volume, eu estudei um pouco sobre as vendas de e-books, sobre alguns defeitos comuns nesse produto e brinquei com isso, colocando, inclusive, algumas páginas que paravam na metade”, diz Lísias.

Para ele, essa foi uma forma de lidar com a própria linguagem do meio. “Eu joguei com algumas características, mas certamente ainda há muito o que experimentar, principalmente em relação aos aspectos formais do gênero”, acrescenta.

Schneider Carpeggiani, editor do “Suplemento Literário” de Pernambuco, também acredita no desenvolvimento dos e-books. Fundador da editora digital Cesárea, ao lado da designer Jaíne Cintra, desde o ano passado ele vem publicando textos difíceis de serem encontrados atualmente.

São exemplos o livro “Essa Angústia Louca de Partir”, o primeiro do chileno Pedro Lemebel a sair no país; “Aspades ETS etc”, de Fernando Monteiro”, e “Maçã Agreste”, de Raimundo Carrero. A versão impressa dos dois últimos, inclusive, não se acha nas livrarias. “Isso faz parte de um projeto de experimentação que nós estamos fazendo. Neste ano lançamos cinco livros e estamos já pensando nos que vamos produzir no próximo ano”, observa Schneider Carpeggiani, que frisa ser necessário entender melhor o papel do e-book.

Ele me parece um balão de ensaio, com vários resultados possíveis, mas alguns setores não parecem ainda saber lidar muito bem com esse formato. Um ponto que ainda merece ser analisado é a questão do preço que se pratica hoje aqui. Muitos acham que a diferença de cerca de 20% no valor do título impresso e do mesmo à venda em e-book é muito pouca pela economia com custos de impressão e distribuição que se consegue ao trabalhar com o digital”, comenta Carpeggiani.

Publicado originalmente em O Tempo | 16/11/2014